Adissertação pretende
desenvolver uma reflexão sobre a concepção teórica e a trajetória de construção
de um Serviço de Atenção Diária (Casa D’Engenho), que por meio da proposta de
desmonte dos modelos psiquiátricos tradicionais, busca a constituição de novas
práticas, onde o indivíduo possa ser participante ativo do processo
terapêutico, constituído novas formas de representação da loucura. Com o
declínio do Feudalismo, se deparou
com uma população de indivíduos que não se adequavam á nova ordem social (ou
modelo social estruturado). A psiquiatria nasceu no século XVIII, quando o médico cuida da população excluída do meio
social ou que a conduta não se aproxima com a moral da época. Com a Revolução Francesa, o surgimento da Era Moderna, trouxe novas concepções na
organização da sociedade, em que aquela população excluída passou a ter
importância num novo mercado de trabalho e na concepção de cidadania, liberdade
e igualdade. Na Idade Clássica as práticas eram de hospedagem e “proteção”, na
Moderna passou para um “olhar” médico cientifico, transformando a loucura em
“doença mental”, passível de tratamento.
Destaque, em Pinel que trouxe mudanças, como sobre a
origem passional ou moral da alienação, que sua essência era o desarranjo de
funções mentais, que fugia do pensamento vigente. Esquirol (discípulo de Pinel) sistematizou as bases do modelo de
psiquiatria, como o internamento deve dar nova direção as idéias e afetos, e
impedir a desordem. Fica evidente a
proposta de manicômio como local apropriado de cura, onde internamento e
tratamento são inseparáveis. Na virada do século XVIII para o XIX, houve uma
predominância do pensamento ligado a doutrina organicista (buscar causa
orgânicas da loucura, e desenvolver procedimentos terapêuticos físicos e
medicamentosos). Mudou-se a forma de pensar as causas da loucura, mas o
manicômio se perpetuou justificado por um aparato teórico (deixa de ser
instrumento de cura e passar a ser local de depósitos).
As críticas ao modelo
fechado e autoritário nos hospícios, fez surgir a proposta de criação de
colônias de alienados (neutralizar as denuncias de superlotação, aprisionamento
e violência nos hospícios, e transformar num modelo assistencial).Foi após a 2ª Guerra Mundial, que os
hospícios passaram a sofrer criticas a seus atos violentos, e excludentes no
tratamento da loucura, e em alguns locais buscou adequar a nova orem. As Novas
tentativas de Reforma ocorrem por meio da organização dos hospícios, como: a)
movimento que priorizam as criticas a estrutura asilar; b) movimento que
priorizam a comunidade como lugar de atuação da psiquiatria; c) movimentos
instauradores de rupturas na constituição do saber médico sobre a loucura.
O termo “Comunidade Terapêutica” foi utilizado
por Maxwell Jones, a partir de 1959, as experiências eram baseadas em medidas
coletivas, democráticas e participativas dos pacientes, tendo como objetivo
resgatar o processo terapêutico. A Psicoterapia
Institucional, a partir da liderança de François Tosquelles, no hospital de
Saint Alban, reuniu ativistas marxistas, freudianos ou surrealistas, buscou a
superação do espaço de segregação, a verticalidade das relações e critica ao
poder médico. Com forte influencia da psicanálise e do pensamento marxista, a
psicoterapia institucional buscava tratar das características doentias das
instituições. Psicoterapia Institucional baseia-se na liberdade de circulação,
lugares estruturados concretos, contratos facilmente revisáveis de entrada e
saída e um acolhimento permanente dispondo de grades simbólicas e de mediações.
Em outras palavras, o objetivo é criar um coletivo orientado, para que o
psicótico possa se referenciar com a totalidade. A Psiquiatria de Setor é inspirada nas idéias de Bonnafé, que buscava
a transformação das condições asilares do pós-guerra, ou seja, levar a
psiquiatria a população, evitando ao Maximo a segregação e o isolamento do
doente, sujeito de uma relação patológica familiar, escolar, profissional e etc.
O hospital era dividido em vários setores, cada um em uma região da comunidade.
A Psiquiatria Preventiva, definido
por Caplan, como programas para reduzir (não curar), numa comunidade, os
transtornos mentais (Prevenção Primária), assim como reduzir a duração dos
transtornos mentais (Prevenção Secundária), e programas para reduzir a
deterioração que resulta dos transtornos mentais (Prevenção Terciária). Antipsiquiatria nasceu junto á grande
corrente de contestação cultural e política dos anos 60. A Antipsiquiatria
busca um diálogo entre a razão e loucura, assim como critica a nosografia que
estipula o ser neurótico denuncia a cronificação de a instituição asilar, e
considera até a procura voluntária do tratamento. A Psiquiatria Democrática propõe a extinção dos tratamentos
violentos, destruição de muros e constituição de novos espaços e formas de
lidar com a loucura. Essa proposta não buscava suspensão dos cuidados, mas nova
forma de entender, tratar e lidar com a loucura. Assim como também, expõe o
fechamento dos hospitais, mas a medida que os serviços tradicionais fossem
desativados.
Sobre a concepção de doença, é pertinente destacar que as práticas nas
instituições psiquiátricas, tinham o caráter menos repressor, mas democrático e
participativo, para os pacientes e profissionais, sendo importante pontuar que
nenhum dos modelos colocava em questão o não adoecimento e a necessidade de
intervenção. Segundo Cangilhem (1990) expõe que o patológico é um produto da
denuncia do homem sobre seu mal-estar. Todas as tentativas de mudanças nos
procedimentos não chegaram à transformação na concepção de sofrimento mental e
nas intervenções. Em seguida, o autor discute sobre a loucura no Brasil, ou seja, como se fez a psiquiatria no contexto
brasileiro. A necessidade da criação dos hospitais psiquiátricos no Brasil
surgiu, com o objetivo de resolver o problema de assistência. No Rio de Janeiro, o espaço de
recolhimento foi nas dependências da Santa Casa de Misericórdia (Hospício de
Pedro II). A construção foi feito num lugar especifico, afastado da cidade,
para abrigar os loucos. Em outras palavras, tinha o objetivo de afastar o louco
do meio urbano e social, seja pela distancia ou reclusão. Em 1890, com a queda
do Império e o surgimento da Republica, passa a ser chamado “Hospício Nacional de Alienados”,
ficando sobre administração do governo federal. Foi instituída a Assistência Médico-Legal aos Alienados,
e criados ao Hospício as Colônias de São Bento, e a de Conde de Mesquita, ambas
para homens. Em 1902, em função de irregularidades no Hospício Nacional, foi
aberto um inquérito.
Na superlotação de mulheres
no Hospício Nacional, foi criado a Colônia de Alienadas, com o objetivo de
receber mulheres, que foram transferidas do Hospício dos Alienados. Portanto a Colônia
(atualmente Centro Psiquiátrico Pedro II)
foi criada com objetivo de resolver a superlotação. No contexto da época, a
meta era isolar os loucos do convívio social, e afastar do centro urbano. Por
iniciativa de Gustavo Riedel, em
1918, é criado a Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro, que tinha a
proposta não só acompanhar o doente, mas promover o aconselhamento genético,
como prevenção dos distúrbios mentais. Um das implantações era assistência
familiar, assim como a diminuição dos gastos públicos com os doentes mentais,
já esta população crescia. Se nas colônias criavam uma falsa liberdade, na assistência
familiar, criava-se uma “família de técnicos”, em substituição da família
original.
A colônia transforma-se em macro-hospital, como ampliação dos
lugares que ficavam os doentes mentais, assim como o aumento de Colônias e
Hospícios, que vão se integrando no atendimento ao louco. É criada a Campanha Nacional de Saúde Mental, que seria um instrumento de
maior obtenção de recursos extra-orçamentários e maior maleabilidade na
administração pública, e plausível destacar, que é implantado em 1968, o Plano Nacional de Saúde. A partir de
1981, iniciou um processo de reformulações do setor saúde no contexto da
redemocratização, em que modificou os discursos, planejamentos e avaliações
criticas até o momento. Com a divisão de responsabilidade entre o Ministério da Saúde (medicina
preventiva) e o Ministério da
Previdência e Assistência Social (medicina curativa) gerou uma dicotomia
nos procedimentos em saúde. Na década de 70/80, aparecem os sinais de abertura
política e de redemocratização, nesse momento começa a surgir uma crise no
modelo previdenciário. Diante da crise econômica, ocorre uma contenção de
recursos, e existindo pressões para melhoria da qualidade da assistência.
Em 1982, com o Plano de Reorientação da Assistência
Psiquiátrica Previdenciária, foi possível perceber a predominância do
discurso crítico do modelo manicomial (não representava o consenso da
psiquiatria no Brasil). Já a pobreza em
si e por si mesma, coloca essa população mais vulnerável aos distúrbios
psíquicos e empresta a estes um caráter de maior gravidade. A análise da
influencia dos fatores sociais na determinação de patologias mentais. A
proposta de reorientação da assistência psiquiátrica se resume em: a) ser
extra-hospitalar; b) empregar recursos e técnicas de equipe multiprofissional;
b) incluir-se na estratégia de Atenção Primária de Saúde (atendimento
regionalizar, integrar áreas programáticas,
utilizar procedimentos metodológicos, promover a prevenção, disciplinar
mecanismos de encaminhamento); d) Utilizar recursos e métodos
extra-hospitalares; e) Utilizar a internação integral, com pacientes em risco,
assim como manutenção do paciente em seu meio familiar e social; f) promover a
implantação progressiva de pequenas unidades psiquiátricas em hospitais gerais.
Em 1980 foram definidas as
diretrizes para a programação do CPPII, todavia foi somente em 1982 que iniciou
o processo de mudanças no hospital. Nesse período os profissionais do Movimento dos Trabalhados de Saúde Mental
(MTSM), retornam aos hospitais públicos, sendo possível a participação e
interferência na gestão e planejamento. Ocorre um movimento de mudança no
modelo, como já destaca que os grandes hospitais psiquiátricos são
caracterizados por uma estrutura rígida, verticalizada e opressora, tanto para
a clientela como para os servidores.
Objetivo é de contribuir para retardar o processo de conscientização
sanitária da própria comunidade. O macro-hospital psiquiátrico atende aos
anseios imediatos, das famílias (desorientadas com os episódios
psicopatológicos) e a sociedade (excluir e asilar os indivíduos quando se
tornam improdutivos e inadaptados). Os objetivos fundamentados foram de: a)
executar atividade terapêutica com equipes multidisciplinares; b) diversificar
o arsenal terapêutico, ampliando as possibilidades dos serviços e cuidados; c)
enfatizar recursos e técnicas extra-hospitalares; d) redimensionar os serviços
de internação; e) criar meios de promover a reintegração dos pacientes em sua
família, trabalho e comunidade. E importante destacar que os serviços
extra-hospitalares passam a merecer destaque singular no sistema de saúde
mental.
O hospital-dia é uma modalidade assistencial em regime de
semi-internação voltada a atender pacientes que não são susceptíveis a
tratamento em regime exclusivamente ambulatorial, mas que para os quais, por
motivos vários, não está indicada a hospitalização completa. Por isso a visão
proposta como instancia intermediária a internação e ao ambulatório, assim como
também seria sem o poder segregador, excludente ou cronificador que foi
atribuído ao manicômio, sendo assim o hospital está indicado nos casos: a)
pacientes em tratamento ambulatorial, mas sem condições de manter atividades normais,
em que procurar evitar a internação; b) pacientes internados, em condições de
alta clinico-psiquiatrica, ou com longo período de internação, e que precisa de
reintegração a vida social; c) paciente crônico, em período de permanência
hospitalar, e que procede de integração social. Portanto fica evidente a
priorização do tratamento ambulatorial, e solução dos problemas provocados pela
internação. Importante ressaltar que no CPPII, a proposta do hospital-dia, não
foram executadas durante uma década, sendo que permaneceu apenas nos projetos e
propostas.
O Centro Psiquiátrico Pedro II (Bairro Engenho de Dentro, no Rio de
Janeiro), tem quatro unidades hospitalares. Atualmente existem quatro serviços
(Programas Assistenciais) com
características: a) Espaço aberto ao tempo, que tem objetivo a reabilitação
psicossocial; b) Programa de Assistência Interdisciplinar a Criança autista e
psicótica, funciona como serviço de atenção diária; c) Centro comunitário, que
tem por meta possibilitar a desmistificação da doença mental na sociedade e do
louco como um desviante social. A existência do CPPII é marcada por três
momentos históricos: a) a sua criação surge como Colônia, relacionado com atividades
agrícolas como modelo de recuperação, e a “sensação de liberdade” num espaço
vigiado; b) em seguida com a transferência dos pacientes do antigo Hospício
Nacional, a CPPII, toma feições de um macro-hospital; c) e por fim, a partir de
1981com o discurso critico ao modelo manicomial, e no inicio da década de 90,
com o processo de transformação de o antigo modelo asilar.
O panorama político, já
destaca que o Brasil passava por um processo de redemocratização de suas
instituições, e o restabelecimento da participação popular. As denuncias
trouxeram a discussão das praticas violentas e repressivas nas instituições
psiquiátricas. Em 1990, é aprovado a Lei Orgânica de Saúde, e constituição do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1994 é
constituída a Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica, e 1996, foi elaborado
o 1º Grupo de Trabalho dos Diretores de Saúde Mental dos Ministérios da Saúde
da America Latina, que constou recomendações de oferta, acessibilidade, opções
assistenciais alternativas. A Reforma Psiquiátrica Brasileira propõe
a substituição ao modelo psiquiátrico predominante, visto como excludente e
produtor de alienação e cronificação.
Referencia:
JORGE, M. A. S. Engenho dentro de casa: sobre a
construção de um serviço de atenção diária em saúde mental. Dissertação -
Escola Nacional de Saúde Pública. 117p. Outubro de 1997.
0 comentários:
Postar um comentário