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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Engenho dentro de casa: sobre a construção de um serviço de atenção diária em saúde mental

Adissertação pretende desenvolver uma reflexão sobre a concepção teórica e a trajetória de construção de um Serviço de Atenção Diária (Casa D’Engenho), que por meio da proposta de desmonte dos modelos psiquiátricos tradicionais, busca a constituição de novas práticas, onde o indivíduo possa ser participante ativo do processo terapêutico, constituído novas formas de representação da loucura. Com o declínio do Feudalismo, se deparou com uma população de indivíduos que não se adequavam á nova ordem social (ou modelo social estruturado). A psiquiatria nasceu no século XVIII, quando o médico cuida da população excluída do meio social ou que a conduta não se aproxima com a moral da época. Com a Revolução Francesa, o surgimento da Era Moderna, trouxe novas concepções na organização da sociedade, em que aquela população excluída passou a ter importância num novo mercado de trabalho e na concepção de cidadania, liberdade e igualdade. Na Idade Clássica as práticas eram de hospedagem e “proteção”, na Moderna passou para um “olhar” médico cientifico, transformando a loucura em “doença mental”, passível de tratamento.

Destaque, em Pinel que trouxe mudanças, como sobre a origem passional ou moral da alienação, que sua essência era o desarranjo de funções mentais, que fugia do pensamento vigente. Esquirol (discípulo de Pinel) sistematizou as bases do modelo de psiquiatria, como o internamento deve dar nova direção as idéias e afetos, e impedir a desordem.  Fica evidente a proposta de manicômio como local apropriado de cura, onde internamento e tratamento são inseparáveis. Na virada do século XVIII para o XIX, houve uma predominância do pensamento ligado a doutrina organicista (buscar causa orgânicas da loucura, e desenvolver procedimentos terapêuticos físicos e medicamentosos). Mudou-se a forma de pensar as causas da loucura, mas o manicômio se perpetuou justificado por um aparato teórico (deixa de ser instrumento de cura e passar a ser local de depósitos).
As críticas ao modelo fechado e autoritário nos hospícios, fez surgir a proposta de criação de colônias de alienados (neutralizar as denuncias de superlotação, aprisionamento e violência nos hospícios, e transformar num modelo assistencial).Foi após a 2ª Guerra Mundial, que os hospícios passaram a sofrer criticas a seus atos violentos, e excludentes no tratamento da loucura, e em alguns locais buscou adequar a nova orem. As Novas tentativas de Reforma ocorrem por meio da organização dos hospícios, como: a) movimento que priorizam as criticas a estrutura asilar; b) movimento que priorizam a comunidade como lugar de atuação da psiquiatria; c) movimentos instauradores de rupturas na constituição do saber médico sobre a loucura.
O termo “Comunidade Terapêutica” foi utilizado por Maxwell Jones, a partir de 1959, as experiências eram baseadas em medidas coletivas, democráticas e participativas dos pacientes, tendo como objetivo resgatar o processo terapêutico. A Psicoterapia Institucional, a partir da liderança de François Tosquelles, no hospital de Saint Alban, reuniu ativistas marxistas, freudianos ou surrealistas, buscou a superação do espaço de segregação, a verticalidade das relações e critica ao poder médico. Com forte influencia da psicanálise e do pensamento marxista, a psicoterapia institucional buscava tratar das características doentias das instituições. Psicoterapia Institucional baseia-se na liberdade de circulação, lugares estruturados concretos, contratos facilmente revisáveis de entrada e saída e um acolhimento permanente dispondo de grades simbólicas e de mediações. Em outras palavras, o objetivo é criar um coletivo orientado, para que o psicótico possa se referenciar com a totalidade. A Psiquiatria de Setor é inspirada nas idéias de Bonnafé, que buscava a transformação das condições asilares do pós-guerra, ou seja, levar a psiquiatria a população, evitando ao Maximo a segregação e o isolamento do doente, sujeito de uma relação patológica familiar, escolar, profissional e etc. O hospital era dividido em vários setores, cada um em uma região da comunidade. A Psiquiatria Preventiva, definido por Caplan, como programas para reduzir (não curar), numa comunidade, os transtornos mentais (Prevenção Primária), assim como reduzir a duração dos transtornos mentais (Prevenção Secundária), e programas para reduzir a deterioração que resulta dos transtornos mentais (Prevenção Terciária). Antipsiquiatria nasceu junto á grande corrente de contestação cultural e política dos anos 60. A Antipsiquiatria busca um diálogo entre a razão e loucura, assim como critica a nosografia que estipula o ser neurótico denuncia a cronificação de a instituição asilar, e considera até a procura voluntária do tratamento. A Psiquiatria Democrática propõe a extinção dos tratamentos violentos, destruição de muros e constituição de novos espaços e formas de lidar com a loucura. Essa proposta não buscava suspensão dos cuidados, mas nova forma de entender, tratar e lidar com a loucura. Assim como também, expõe o fechamento dos hospitais, mas a medida que os serviços tradicionais fossem desativados.
Sobre a concepção de doença, é pertinente destacar que as práticas nas instituições psiquiátricas, tinham o caráter menos repressor, mas democrático e participativo, para os pacientes e profissionais, sendo importante pontuar que nenhum dos modelos colocava em questão o não adoecimento e a necessidade de intervenção. Segundo Cangilhem (1990) expõe que o patológico é um produto da denuncia do homem sobre seu mal-estar. Todas as tentativas de mudanças nos procedimentos não chegaram à transformação na concepção de sofrimento mental e nas intervenções. Em seguida, o autor discute sobre a loucura no Brasil, ou seja, como se fez a psiquiatria no contexto brasileiro. A necessidade da criação dos hospitais psiquiátricos no Brasil surgiu, com o objetivo de resolver o problema de assistência. No Rio de Janeiro, o espaço de recolhimento foi nas dependências da Santa Casa de Misericórdia (Hospício de Pedro II). A construção foi feito num lugar especifico, afastado da cidade, para abrigar os loucos. Em outras palavras, tinha o objetivo de afastar o louco do meio urbano e social, seja pela distancia ou reclusão. Em 1890, com a queda do Império e o surgimento da Republica, passa a ser chamado “Hospício Nacional de Alienados”, ficando sobre administração do governo federal. Foi instituída a Assistência Médico-Legal aos Alienados, e criados ao Hospício as Colônias de São Bento, e a de Conde de Mesquita, ambas para homens. Em 1902, em função de irregularidades no Hospício Nacional, foi aberto um inquérito.
Na superlotação de mulheres no Hospício Nacional, foi criado a Colônia de Alienadas, com o objetivo de receber mulheres, que foram transferidas do Hospício dos Alienados. Portanto a Colônia (atualmente Centro Psiquiátrico Pedro II) foi criada com objetivo de resolver a superlotação. No contexto da época, a meta era isolar os loucos do convívio social, e afastar do centro urbano. Por iniciativa de Gustavo Riedel, em 1918, é criado a Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro, que tinha a proposta não só acompanhar o doente, mas promover o aconselhamento genético, como prevenção dos distúrbios mentais. Um das implantações era assistência familiar, assim como a diminuição dos gastos públicos com os doentes mentais, já esta população crescia. Se nas colônias criavam uma falsa liberdade, na assistência familiar, criava-se uma “família de técnicos”, em substituição da família original.
A colônia transforma-se em macro-hospital, como ampliação dos lugares que ficavam os doentes mentais, assim como o aumento de Colônias e Hospícios, que vão se integrando no atendimento ao louco.  É criada a Campanha Nacional de Saúde Mental, que seria um instrumento de maior obtenção de recursos extra-orçamentários e maior maleabilidade na administração pública, e plausível destacar, que é implantado em 1968, o Plano Nacional de Saúde. A partir de 1981, iniciou um processo de reformulações do setor saúde no contexto da redemocratização, em que modificou os discursos, planejamentos e avaliações criticas até o momento. Com a divisão de responsabilidade entre o Ministério da Saúde (medicina preventiva) e o Ministério da Previdência e Assistência Social (medicina curativa) gerou uma dicotomia nos procedimentos em saúde. Na década de 70/80, aparecem os sinais de abertura política e de redemocratização, nesse momento começa a surgir uma crise no modelo previdenciário. Diante da crise econômica, ocorre uma contenção de recursos, e existindo pressões para melhoria da qualidade da assistência.
Em 1982, com o Plano de Reorientação da Assistência Psiquiátrica Previdenciária, foi possível perceber a predominância do discurso crítico do modelo manicomial (não representava o consenso da psiquiatria no Brasil).  Já a pobreza em si e por si mesma, coloca essa população mais vulnerável aos distúrbios psíquicos e empresta a estes um caráter de maior gravidade. A análise da influencia dos fatores sociais na determinação de patologias mentais. A proposta de reorientação da assistência psiquiátrica se resume em: a) ser extra-hospitalar; b) empregar recursos e técnicas de equipe multiprofissional; b) incluir-se na estratégia de Atenção Primária de Saúde (atendimento regionalizar, integrar áreas programáticas,  utilizar procedimentos metodológicos, promover a prevenção, disciplinar mecanismos de encaminhamento); d) Utilizar recursos e métodos extra-hospitalares; e) Utilizar a internação integral, com pacientes em risco, assim como manutenção do paciente em seu meio familiar e social; f) promover a implantação progressiva de pequenas unidades psiquiátricas em hospitais gerais.
Em 1980 foram definidas as diretrizes para a programação do CPPII, todavia foi somente em 1982 que iniciou o processo de mudanças no hospital. Nesse período os profissionais do Movimento dos Trabalhados de Saúde Mental (MTSM), retornam aos hospitais públicos, sendo possível a participação e interferência na gestão e planejamento. Ocorre um movimento de mudança no modelo, como já destaca que os grandes hospitais psiquiátricos são caracterizados por uma estrutura rígida, verticalizada e opressora, tanto para a clientela como para os servidores.  Objetivo é de contribuir para retardar o processo de conscientização sanitária da própria comunidade. O macro-hospital psiquiátrico atende aos anseios imediatos, das famílias (desorientadas com os episódios psicopatológicos) e a sociedade (excluir e asilar os indivíduos quando se tornam improdutivos e inadaptados). Os objetivos fundamentados foram de: a) executar atividade terapêutica com equipes multidisciplinares; b) diversificar o arsenal terapêutico, ampliando as possibilidades dos serviços e cuidados; c) enfatizar recursos e técnicas extra-hospitalares; d) redimensionar os serviços de internação; e) criar meios de promover a reintegração dos pacientes em sua família, trabalho e comunidade. E importante destacar que os serviços extra-hospitalares passam a merecer destaque singular no sistema de saúde mental.
O hospital-dia é uma modalidade assistencial em regime de semi-internação voltada a atender pacientes que não são susceptíveis a tratamento em regime exclusivamente ambulatorial, mas que para os quais, por motivos vários, não está indicada a hospitalização completa. Por isso a visão proposta como instancia intermediária a internação e ao ambulatório, assim como também seria sem o poder segregador, excludente ou cronificador que foi atribuído ao manicômio, sendo assim o hospital está indicado nos casos: a) pacientes em tratamento ambulatorial, mas sem condições de manter atividades normais, em que procurar evitar a internação; b) pacientes internados, em condições de alta clinico-psiquiatrica, ou com longo período de internação, e que precisa de reintegração a vida social; c) paciente crônico, em período de permanência hospitalar, e que procede de integração social. Portanto fica evidente a priorização do tratamento ambulatorial, e solução dos problemas provocados pela internação. Importante ressaltar que no CPPII, a proposta do hospital-dia, não foram executadas durante uma década, sendo que permaneceu apenas nos projetos e propostas.
O Centro Psiquiátrico Pedro II (Bairro Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro), tem quatro unidades hospitalares. Atualmente existem quatro serviços (Programas Assistenciais) com características: a) Espaço aberto ao tempo, que tem objetivo a reabilitação psicossocial; b) Programa de Assistência Interdisciplinar a Criança autista e psicótica, funciona como serviço de atenção diária; c) Centro comunitário, que tem por meta possibilitar a desmistificação da doença mental na sociedade e do louco como um desviante social. A existência do CPPII é marcada por três momentos históricos: a) a sua criação surge como Colônia, relacionado com atividades agrícolas como modelo de recuperação, e a “sensação de liberdade” num espaço vigiado; b) em seguida com a transferência dos pacientes do antigo Hospício Nacional, a CPPII, toma feições de um macro-hospital; c) e por fim, a partir de 1981com o discurso critico ao modelo manicomial, e no inicio da década de 90, com o processo de transformação de o antigo modelo asilar.
O panorama político, já destaca que o Brasil passava por um processo de redemocratização de suas instituições, e o restabelecimento da participação popular. As denuncias trouxeram a discussão das praticas violentas e repressivas nas instituições psiquiátricas. Em 1990, é aprovado a Lei Orgânica de Saúde, e constituição do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1994 é constituída a Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica, e 1996, foi elaborado o 1º Grupo de Trabalho dos Diretores de Saúde Mental dos Ministérios da Saúde da America Latina, que constou recomendações de oferta, acessibilidade, opções assistenciais alternativas.  A Reforma Psiquiátrica Brasileira propõe a substituição ao modelo psiquiátrico predominante, visto como excludente e produtor de alienação e cronificação.

Referencia:

JORGE, M. A. S. Engenho dentro de casa: sobre a construção de um serviço de atenção diária em saúde mental. Dissertação - Escola Nacional de Saúde Pública. 117p. Outubro de 1997.

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